Universidade

Espaço da Unidade Cuidativa do HE encolhe e gera indignação

Atividades voltadas à ressocialização de pacientes devem ficar prejudicadas

Carlos Queiroz -

A indignação está expressa em letras grandes e verdes: Muro da vergonha.

A frase, escrita à mão, está em divisória instalada em prédio da antiga Laneira, no bairro Fragata, onde funciona a Unidade Cuidativa da Universidade Federal de Pelotas. O espaço destinado a levar qualidade de vida a pessoas em tratamento de doenças graves - assim como a seus familiares e cuidadores - é motivo de discórdia entre a antiga e a nova gestão do Hospital-Escola (HE-UFPel).

Desde a segunda semana de julho, o novo comando do HE passou a transferir o setor de arquivo médico ao local e estuda a possibilidade de levar também o departamento de contas médicas para o local. As atividades da Unidade Cuidativa estão mantidas, mas a redução de área não só comprometeria o trabalho, como inviabilizaria a concretização de planos, argumenta a ex-superintendente do hospital, Julieta Fripp, que também fala em falta de diálogo.

O encolhimento da Unidade acirra os ânimos, traz à tona o cenário das eleições para a Reitoria da UFPel, em 2016, retomando a polarização da disputa entre os aliados do ex-reitor Mauro Del Pino e os de Pedro Curi Hallal - vitorioso no processo eleitoral.

Ao conversar com o Diário Popular, nos primeiros dias deste mês, o reitor reconheceu a relevância do trabalho desenvolvido há anos em cuidados paliativos pela UFPel, mas rebateu as críticas que a nova gestão tem recebido e resumiu a questão a ressentimento político: “É um desconforto de maus perdedores, que querem criar fatos e gerar polêmica”.

Hallal destacou que a área onde já funciona o ambulatório seria preservada - e, realmente, foi - e defendeu a viabilidade de conciliação entre o serviço do setor de arquivo médico e as oficinas, que levam dignidade aos pacientes. Em caso de necessidade, afirmou, a liberação de espaços complementares poderia ser avaliada.

Entre quem recebe os cuidados, alívio
Aos poucos, Maria Rodrigues, 53, se fortalece. É na Unidade Cuidativa, em atividades de dança e de plantas medicinais, que ela tem encontrado ânimo e suporte especializado para superar a dor da morte do marido Celso, falecido em abril, em decorrência de um câncer que se alastrou ao pulmão. “Tivemos todo o acompanhamento. E nos tornamos uma família”, diz ela, ao se referir à relação com as equipes durante os longos meses em que foram acolhidos pelos programas Melhor em Casa e de Internação Domiciliar Interdisciplinar (Pidi). Agora, sem o companheiro, é Maria quem recebe os cuidados, ao integrar o grupo de enlutados. E destaca: sempre que puder, estará ali, na antiga Laneira, em busca de amparo.

Autoestima
O bate-papo corre solto. Os risos também. As irmãs Zenaida Farias Dias, 69, e Elveni Farias Furtado, 64, também têm participado das atividades. E é no diálogo com outros pacientes, no contato com as plantas e na descontração da pet terapia que as duas encaram com mais leveza a recuperação de Elveni, depois de episódios de Acidente Vascular Cerebral (AVC). “É uma coisa muito boa isso aqui”, resume Elveni.

Saiba mais
O que é a Unidade Cuidativa?
Espaço destinado a resgatar autoestima de pacientes em tratamento de doenças ameaçadoras à vida, familiares e cuidadores. É um cenário para aliviar o peso da dor e promover ressocialização, lazer e troca de experiências. É um olhar que os enxerga sob os aspectos físico, psíquico, emocional e espiritual.

Quais atividades têm sido desenvolvidas?
A Unidade Cuidativa tem sido utilizada para atividades de ensino, de pesquisa e de extensão. E o melhor: tem um olhar interdisciplinar, com a participação de vários cursos: Medicina, Psicologia, Enfermagem, Nutrição, Terapia Ocupacional, Farmácia, Biologia, Agronomia e Veterinária. Práticas Integrativas e Complementares, regulamentadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), também têm sido desenvolvidas, com destaque para acupuntura, reiki, meditação, plantas medicinais e terapia comunitária. Pet terapia, dança circular, paisagismo e hortas orgânicas também integram o trabalho. A fase, entretanto, é de reavaliação, para definir se alguma das atividades precisará ser suspensa.

E os planos?
A ideia de criar ambiente para sessões de cinema, um recanto para leitura e espaço ecumênico fica inviabilizada com a redução de espaço - sustenta a idealizadora da Unidade Cuidativa, a médica Julieta Fripp. “Ao invés de expandir, teremos que encolher. Tudo se resumiu a pouco”, lamentou na tarde de terça-feira (18), ao acompanhar a instalação de pontos de energia elétrica no mezanino.

Bate e rebate por escrito
Palavra da nova gestão
- Em nota que circula nas redes sociais, a nova gestão do HE e da UFPel lista seis pontos de esclarecimento e refuta a versão de que o material transferido à Laneira seriam apenas “papéis”. O arquivo médico, que guarda a história clínica dos pacientes do hospital, estaria armazenado em local inapropriado e sob risco de roubo e degradação precoce. Em um dos trechos, a gestão endurece o tom da crítica: "A eleição da UFPel foi realizada no ano de 2016 e o resultado foi indiscutível. Utilizar a saúde de pacientes vulneráveis para criar disputas de egos é criminoso. Fazer oposição, assim como fazer gestão, é algo que requer responsabilidade."

Na noite da última terça-feira, a superintendente do HE, Vera Silveira, destacou a importância de os esforços serem concentrados, neste momento, à retomada das obras do Hospice, que estão paradas. “Temos uma administração guiada pelas normas da Ebserh. Não há nada de escuso”.

Posição da antiga gestão - Em carta de três páginas e meia, os defensores da ideia original do Centro Regional de Cuidados Paliativos apresentam balanço; desde a criação de programas como o Pidi e o Melhor em Casa, há mais de uma década, ao sonho de ver em funcionamento, na antiga Laneira, todas as pontas do atendimento em cuidados paliativos.

Por duas vezes, o texto usa a expressão “sem nenhum metro a menos” e, nas últimas linhas adianta o movimento de resistência, para que a Unidade Cuidativa não perdesse espaço a outros setores do HE: "Nós, professores, estudantes, profissionais, usuários e familiares da Unidade Cuidativa não iremos permitir a inserção de outras atividades que não sejam relacionadas com o tema cuidados paliativos neste espaço, sob o risco de inviabilizar os cuidados em saúde realizados no local."

O fato de a medida já ter sido adotada, todavia, não significaria o fim da mobilização - enfatiza Julieta Fripp, mas prefere não revelar os próximos passos a serem adotados.

 

 

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